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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Chuvisco

Se eu tivesse um cigarro agora, eu o fumaria inteiro. Afinal, uma vez provado o gosto ruim, a segunda vez já vira normal. E a gente se acostuma com o ruim mais rapidamente do que com o que é bom. Pelo menos o que é ruim não pode ficar pior; e se ficar, a gente não se frustra, afinal o que não presta, não presta. Agora, com o que é bom... aí vêm as expectativas frustradas, as decepções e o caralho.
Quando eu era criança, eu tinha medo do barulho que o vento fazia na janela do meu quarto a noite. Eu não gostava daqueles assovios aterrorizantes e eu tampava os ouvidos para calar qualquer demônio interior, e assim, dormia. 
Certas coisas não mudam nunca.
Esse farfalhar das folhas das árvores me incomoda. Esse vento que bagunça meus cabelos e passa pela minha nuca arrepiando-me. E esse ar úmido junto com essa terra escorregadia dizem que este banco em que me encontro não será abrigo por muito tempo e nem adianta tentar se proteger com o capuz. 
"Ouve. Está vendo os pássaros inquietos? Eles sabem mais que você?"

E essa vontade ainda não passou.
Eu não sei que falha de personalidade pede por isso, e eu quero é que se foda também.

Nossos planos sempre têm essa cara de desastre que eu detesto. Perecíveis. Sensíveis. Instáveis. Não sei, ainda não achei palavra exata pra definir. Só sei que não gosto nem do gosto nem da sensação. É meio quando o tempo fecha. O céu fica feio e a gente não sabe se fará frio e choverá. E eu detesto insegurança, mesmo convivendo com a incerteza em 99% dos meus passos. 
Ai começa aquele chuvisco chato, insuficiente pra abrir o guarda-chuva mas que você precisa colocar o capuz pra se proteger. E ainda borra a folha com o que você escreveu pra alguém que devia estar sentado ao seu lado. E apaga seu cigarro. Mas você não quer ir pra casa mesmo assim e esbarrar com os demônios que aterrorizam quando o vento faz barulho na janela.
E é aí que me encontro. Sentada num banco frio e no frio, acostumada com o gosto de bolor na boca do estômago e com o vento que bagunça os pensamentos; com o papel manchado, e sem a nicotina. E eu não vou pra casa. E chuvisca.
E droga, ele acertou.


Mas eu quero mesmo é que se foda.
Eu falo de mim com propriedade percebe?

Eu ainda sumo.

Um comentário:

  1. Fim de tarde cinzento, na gruta, com vento e só.
    Eu sabia que algo ia dar errado.
    Que meus pensamentos não me sufoquem e minha imaginação não me mate.
    Essa noite não.

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Puxe a poltrona e fique a vontade.